quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Reformas de mentirinha: A Reforma Voluptuária mudará algo?




Como é de conhecimento geral, a política brasileira quase não possui mais legitimidade entre a população e, a passos largos, vem perdendo cada vez mais o pouco que ainda lhe restava. Em pesquisa recente, apenas 3% dos entrevistados disseram confiar na Presidência da República ou no Congresso. Os partidos políticos têm credibilidade ainda menor, quase nula, de apenas 2%. Esses índices, lamentáveis sob qualquer ângulo que se queira analisar, são ainda piores do que a aprovação do atual presidente, que, em 7%, já atingiu seu menor valor em 28 anos.

Tamanho descrédito é consequência imediata do distanciamento existente entre o que esperamos dos nossos governantes e parlamentares e a prática política que vemos no mundo real, recheada de relações promíscuas com empresários e polpudos mensalões e mensalinhos, nas diferentes esferas de governo. Mandatários cuja única preocupação é se reelegerem para assegurarem suas “boquinhas” e benesses mantidas às custas de uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo, enquanto o país enfrenta a maior crise econômica de sua história e a população recebe em troca serviços públicos de péssima qualidade, escolas e hospitais sucateados e insegurança pior do que em zonas de guerra.

Mas, não se desespere. Como anunciava uma empresa fictícia em saudoso programa humorístico: “Seus problemas acabaram”. Os políticos, preocupados com o bem-estar da população e desejosos de honrarem seus mandatos (#sqn), estão bolando no Congresso, neste exato momento, um plano infalível para a crise. Extraído da cabeça de algum marqueteiro, este certamente teria um nome bem pomposo, algo como "Reforma Voluptuária”. E teria tudo para dar certo. Para os políticos, claro.

Pelo Código Civil Brasileiro, benfeitorias voluptuárias são aquelas “de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor” (Lei 10.406/2002, art. 96, § 1º). Ou seja, são intervenções meramente estéticas, que apenas contribuem para embelezar o bem, não sendo necessárias e, tampouco, nada acrescentam em termos de funcionalidade ou utilidade. No jargão popular, é o famoso “retocar a maquiagem”, expediente do qual, ironicamente, não deve precisar muito a bela deputada Shéridan Anchieta (PSDB-RR), autora do parecer recém aprovado na Câmara dos Deputados, o qual prevê o fim das coligações e a implantação gradual de uma cláusula de barreira para os partidos, já a partir das próximas eleições.

A cláusula de desempenho - cujo percentual aumentaria gradativamente de 1,5% dos votos nas eleições de 2018 a 2,5% em 2026 - seria até benéfica, por colocar necessário freio na multiplicação de legendas (já devem ser 37 no ano que vem, com outras 61 em processo de formação). Infelizmente, isso não ataca a causa raiz do problema, que é a destinação anual de bilhões de reais para os dirigentes partidários promoverem verdadeiras farras com dinheiro público, quase sem fiscalização por parte do TSE. Igualmente inócua, no referido parecer, é a proposta de acabar com as coligações, pois apenas as troca por figuras chamadas “federações” e “subfederações”, as quais, na prática, irão funcionar exatamente da mesma forma. Ou seja, é uma reforma, como se costuma dizer, pra inglês ver.

Em suma, a brilhante ideia por trás do plano que os congressistas querem aprovar com urgência, passa já a valer nas próximas eleições e apenas dará a impressão de que algo mudou, quando, na verdade, continuará exatamente igual, como sempre foi. Talvez saiamos até no lucro, considerando que a intenção inicial de suas excelências, ainda não descartada pela ala dos sem juízo, envolvia promover uma verdadeira contrarreforma. Foram aprovados, na contramão dos anseios populares, totais absurdos como o voto em lista fechada, o famigerado “distritão” e o imoral “fundão” de R$ 3,6 bilhões, um assalto extra aos cofres públicos, um esbulho prévio perpetrado nos cidadãos pelos mesmos indivíduos que irão lhes roubar, também, após as eleições.

Portanto, eleitor, não se deixe enganar por essas reformas de mentirinha, que pretendem apenas trocar seis por meia dúzia. Já era sabido que o atual Congresso, cuja maioria de seus membros têm pendências na Justiça e estão atolados até o pescoço na Operação Lava Jato, jamais mexeria nas regras do jogo em prol do Brasil, mas, sim, de si mesmo. Uma reforma séria do sistema político-partidário-eleitoral nunca será pautada pelos seus próprios jogadores. A remodelagem do tabuleiro terá que ser imposta pela sociedade, a duras penas, após intensa mobilização. Enquanto isso, o que dá pra fazer, e deve ser feito, a começar pelas eleições de 2018, é trocar o máximo possível as peças. Essa, sim, uma reforma indiscutivelmente necessária. E que depende apenas de cada um de nós. J-J


Por: Regis Machado, auditor do Tribunal de Contas da União (TCU)

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